Crônica de um Carbono ancião
11 de Maio de 2009 - sem comentários aindaPode não acreditar, mas bem me lembro do ambiente em que nasci, há bilhões de anos. Era um empurra-empurra danado. Naquela ocasião, quando me dei conta de que era um átomo de Carbono, vi vários primos nascerem das trombadas de núcleos de Hélio. Confesso ter gostado de toda aquela turbulência: depois de uma supernova, é difícil encontrar um lugar assim tão carregado de energia.
Contam por aí histórias de átomos de Carbono em outras estrelas, que não nasceram como eu, das fusões nucleares em supernovas (quando a estrela explode e espalha todo seu material pelo espaço), mas das que ocorrem no interior estelar - afinal, onde mais poderia ser?
Esses átomos não têm o meu privilégio. Dizem as más línguas que, para os Carbonos provenientes do interior estelar, alcançar um planeta requer percorrer um caminho tortuoso: para saírem das profundezas do interior da estrela em que nasceram, os átomos de Carbono precisaram esperar por uma célula convectiva passar e com ela pegarem carona até a superfície estelar. Dos que chegam lá, só alguns têm a sorte de serem ejetados da atmosfera da estrela e, depois de um tempo viajando no meio interestelar, acabar em um planeta qualquer.
Respeito as dificuldades pelas quais passaram, mas não tiveram que suportar as altas temperaturas pelas quais passei na supernova. Na verdade, depois de ter sido espalhado no meio interestelar, ficar naquele gás foi um tédio. Comparado ao ambiente em que nasci, interagia muito pouco com os outros. Ao menos pude entrar em contato com átomos diversos, inclusive os de elementos mais pesados que o Ferro, que só nascem das supernovas.
Depois de um bom tempo vagando pelo espaço, umas bolotas enormes de gás começaram a se condensar naquela nuvem de gás que restou da supernova, e as coisas ficaram mais interessantes. Foi quando surgiu uma estrela, querendo brilhar mais do que todos os outros corpos dali e ser o centro das atenções. Veja a ironia do destino: da explosão que matou uma estrela em um lugar nasceu outra em um sítio diferente, que hospedaria o sistema planetário que passei a habitar. As bolotas, que então atinei serem planetas, começaram uma ciranda em torno da estrela, que hoje recebe o nome de Sol. Não imaginava o que estava por vir.
Fui atraído por um desses planetas. Agradeço muito à gravidade da Terra: não fosse ela, ainda estaria vagando pelo meio interestelar ou teria acabado em algum lugar ermo - já pensou passar a vida toda em Marte ou em um asteróide? Na Terra sou muito importante, talvez mais do que qualquer Carbono em outro lugar do Universo. Tenho orgulho das funções que desempenho - e não são poucas, passaria outros bilhões de anos falando sobre todas elas. Ser a base da vida é a que mais me dá orgulho.
Fiz parte de vários organismos, dos mais simples ao mais complexo, do unicelular ao animal. Perdi a noção do número de seres vivos dos quais já fiz parte; já estive em todos os agentes da cadeia alimentar. Fui petróleo, carvão, plástico, látex. Até nas rochas de montanhas já estive. Ajudei a marcar o tempo de objetos muito antigos. Já fui herói, hoje alguns me têm como vilão. Ah!, se eu pudesse escrever um livro sobre mim... é verdade, até em livros e papéis já estive!
Tem Carbono que se gaba de ter assumido postos mais valiosos do que o meu, como os que já passaram por diamantes. Eu não me importo com isso, pois diamantes podem existir em qualquer lugar mas fazer parte de um ser vivo, até onde sei, só é possível na Terra.
Tenho satisfação do papel que desempenho neste planeta. Passei bons momentos e não me arrependo de nenhum elétron que tenha compartilhado com os outros. Apesar de toda essa responsabilidade, passaria uma eternidade fundamentando a vida, aqui ou em qualquer outro lugar do Universo.
Vestibulares reformulados: mais do mesmo (ou seleção por sorteio)
9 de Maio de 2009 - 7 comentáriosEnem assume novo formato e será usado como vestibular em 55 instituições federais de ensino superior. Unesp adota nova divisão de matérias e segunda fase no vestibular. Pontuação e provas da Fuvest são reformuladas.
Várias
instituições de ensino superior do Brasil vêm apresentando mudanças nas
provas de seleção de ingressantes nas universidades. Trocam uma
disciplina aqui, tiram um dia de prova dali, alegando a tentativa de
melhorar a seleção dos candidatos.
No fundo, permanece o
vestibular e o caráter elitista das universidades. Cobrar uma visão
interdisciplinar em detrimento da "decoreba", especialidade dos
cursinhos, tira do foco não só o problema da inclusão social nas
universidades mas também o do número insuficiente de vagas, para o qual
o vestibular foi dado como solução. O vilão não é mais essa seleção
excludente, mas sim o "caráter conteudista" da prova.
A proposta
dos vestibulares é filtrar os candidatos por mérito, representado por
índices que tentam refletir o aprendizado do ensino médio. Esse
critério é praticamente indiscutível: quando se trata de instituições
de ensino superior que lideram rankings de respeito, a seleção por
mérito é adotada em todo Brasil e, não tenho dúvidas, no mundo inteiro.
Embora
o vestibular seja injusto (quem nunca fracassou em uma prova por estar
em um mau dia?), o argumento para mantê-lo como critério de seleção é o
de que a universidade necessita de pessoas preparadas (ou
academicamente viáveis) para manter sua alta qualidade. No entanto,
isso não garante que a meritocracia seja o melhor sistema de seleção do
ponto de vista institucional. Ou seja, não significa que, no que
depende da virtude dos selecionados, as universidades já atingiram seu
máximo padrão de excelência.
Afinal, selecionar os ingressantes
por mérito é mesmo essencial para a qualidade da universidade? Ou é
apenas um critério para contornar a falta de vagas? Ingressantes com
baixos índices de aprendizado (leia-se notas do vestibular) de fato
afetam a excelência do ensino superior e da pesquisa no país?
Esta pesquisa da Unicamp
mostra que não. O desempenho dos alunos ingressantes por sistema de
cotas, portanto que tiveram menores notas no vestibular, ao longo do
curso é igual ou superior ao dos não-cotistas. E a Unicamp continua
sendo uma das universidades públicas que mais contribuem com a produção
científica do país. (Deixo a discussão sobre cotas para outra
oportunidade, por ora pretendo mostrar que ingressantes com baixos
índices que representam o aprendizado no período referente ao ensino
médio+cursinho não afeta a excelência da Academia.)
O atual
formato do vestibular não necessariamente implica em excelência da
instituição e ao mesmo tempo é injusto. Mas existe uma alternativa a
ele?
Antes de responder a essa pergunta, peço que deixe qualquer
preconceito de lado e receba de peito aberto minha proposta (e não só
minha: veja este projeto de lei).
Imagine
um sorteio no lugar do vestibular. Para o povo, seria mais justo. O
público ingressante seria proporcional às etnias e classes sociais das
comunidades em que as universidades estão inseridas - a fração de
negros ingressantes, por exemplo, seria a mesma que a sua fração em uma
determinada localidade. Isso bastaria para tornar o sorteio mais justo
do que a seleção pelo mérito, que por sua vez deixa em desvantagem
pessoas que não possuem as mesmas oportunidades de preparação para a
prova.
Podemos ir além - e aí vem a melhor parte. O ensino em
todo o país teria como diretriz não mais o conteúdo cobrado pela Fuvest
ou de outros grandes vestibulares mas sim a busca pelo pleno
conhecimento. Liberdade de aprendizagem, sem a obrigação de seguir um
currículo engessado, repleto de informações que, depois de uma única
avaliação, nunca mais serão utilizadas. Conteúdo para uma vida e não
mais para apenas 4 horas de prova.
Fim dos cursinhos. Fim de
taxas de inscrição. Fim das traumáticas provas, que demandam imensos
gastos com megaestruturas de segurança e organização. Pessoalmente,
mais justiça. Institucionalmente, maior diversidade cultural, o que
enriquece a construção de conhecimento na universidade.
Seria
mudar o foco, do problema para a solução. Uma real reestruturação do
sistema de ensino como um todo. Uma verdadeira mudança, não apenas para
inglês ver.
--
Mais: "A utopia do fim do vestibular", um lindo texto de Rubem Alves
Nuvens de Magalhães
25 de Abril de 2009 - sem comentários ainda
Pequena (à direita) e Grande (à esquerda) Nuvens de Magalhães (imagem extraída de http://media.skyandtelescope.com)
Quem mora ao sul da linha do equador pode ver no céu noturno durante quase metade do ano, sem a ajuda de qualquer lente de aumento, duas manchas cinzentas em meio as estrelas. Na verdade são duas das galáxias-satélites da Via Láctea, chamadas Nuvens de Magalhães.
Recebem o nome graças a Fernão de Magalhães, português e comandante da primeira expedição marítima que circundou o globo terrestre, no século XVI. Apesar do nome ter uma origem relativamente recente, as Nuvens possuem registro de terem sido observadas pela primeira vez há pelo menos 2900 anos. Naquela ocasião, a maior delas foi chamada de Al-Baqar Al-Abyad, ou Boi Branco, pelo persa Al Sufi. No interior do Brasil, recebem o nome de Covas de Adão e Eva.
A Grande Nuvem de Magalhães encontra-se a quase 170 mil anos-luz enquanto a Pequena está a aproximadamente 190 mil anos-luz do Sistema Solar.
A luz demora mais de 160 mil anos para percorrer essa distância.
Por serem distâncias imensas, é difícil ter noção do que representam. Mas uma analogia pode nos ajudar: se o Sol tivesse o tamanho de uma bola de gude e estivesse no centro da cidade de São Paulo, teríamos que percorrer, partindo dele, uma distância equivalente a uma volta e meia em torno da Terra para alcançarmos a Grande Nuvem.
Como as estrelas que compõem essas duas galáxias são em média mais velhas que as da Via Láctea, acredita-se que as Nuvens são também mais antigas que nossa Galáxia.
Apesar de sua fantástica distância, as Nuvens fazem parte dos poucos objetos extensos que podem ser contemplados a olho nu quando observamos o céu noturno.
O quarto poder e a defesa das elites
23 de Abril de 2009 - sem comentários aindaNão existe mídia imparcial. Sempre há interesse por trás de qualquer
manifestação humana. Toda informação é manipulada por quem a transmite,
pois é limitada pela linguagem empregada na transmissão.
Aqui
há um vídeo ótimo feito por secundaristas, que trata das ferramentas da
mídia para manipulação de informações. Ele mostra como mensagem
transmitida pode tomar um formato que corresponda ao interesse de quem
a veicula.
No entanto, essa imparcialidade pode ser utilizada de
maneira perversa, servindo como mais uma forma de poder estabelecido de
quem comanda os meios de comunicação.
Da teoria para a prática:
temos, infelizmente, muitos exemplos de como a imprensa nos trai com
informações não confiáveis, formatadas de modo a esconder verdades que
vão de encontro ao interesse dos detentores dessa mídia. Em nome de uma
pequena elite, se aproveitam dos meios que têm para enviesar os fatos.
Seguem quatro episódios desse semestre que me chamaram a atenção.
Em 25 de março foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) a operação Castelo de Areia.
Nela, foram presos diretores da construtora Camargo Corrêa. No
relatório da investigação levada pela PF, surgem nomes de partidos -
PSDB, DEM, PPS, PMDB, PSB, PDT e PP - que teriam recebido doações
ilegais para suas campanhas eleitorais. Não, o PT não foi citado no
relatório. Ainda assim surgiram matérias - pelo menos um ou dois
frutos de um esforço descabido da imprensa marrom, associando o PT e
mais dois partidos às irregularidades da construtora, mesmo não
existindo nenhuma evidência dessa associação.
De quem é o interesse de levantar uma suspeita que não existe?
Antes de responder, vamos ao caso da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
A Veja, via Diogo Mainardi (o que se tem de pior na história do jornalismo), lançou suspeita sobre Vitor Martins, diretor da ANP; disse que Martins "se valeria de seu cargo para direcionar
os pareceres da ANP sobre a concessão de royalties do petróleo,
favorecendo as prefeituras que aceitassem contratar os préstimos" da
empresa da qual é sócio. Cita ainda um relatório da PF (na
verdade, um relatório paralelo da operação Royalties e não o relatório
final) que conteria dados que indicam o conflito de interesses do
diretor Martins. No entanto, esconde que quando Martins passou a
dirigir a ANP já não tinha qualquer vínculo com a dita empresa de
consultoria. Ou seja, não há nem mesmo conflito de interesse para
respaldar a acusação. Nassif em seu blog (aqui, aqui e aqui) destrincha muito bem o papel de Mainardi nesse ataque descabido.
Por que acusar alguém com tanto ímpeto sem qualquer indício de crime?
Essa
resposta não é tão difícil e tem relação com a pergunta anterior.
Evidências de fraude podem impulsionar uma nova CPI (por exemplo, da
Petrobrás) contra o governo. Caso os governistas insistam no caso da
construtora, a oposição pode usar a CPI em um contra-ataque.
Conspiracionismo? Poderia ser se o próprio Mainardi, pau-mandado das
elites (veja o que ele não faz pelo Daniel Dantas), já não tivesse feito o favor de reivindicar a investigação contra o atual governo. Esse método não é novo: há alguns anos usou-se o mensalão - cultura secular da qual o PT levou toda a culpa - e agora tem-se uma potencial CPI da Petrobrás, cujo álibi é Vitor Martins e uma fraude que não existiu.
Exemplos de factóides criados pelos grandes jornais e revistas. Impressionantes, ainda assim não únicos.
Há ainda a velha blindagem do PSDB em SP: ninguém fala das irregularidades no governo Serra. Já citei algumas em um post
antigo, insisto em uma delas aqui. Por que nosso governador permite o
gasto estatal de R$ 3,7 milhões, da pasta da Educação de SP, com
220.000 assinaturas de revistas da editora Abril sem abertura de licitação?
O governador alegou que as revistas Recreio e Nova Escola são as únicas
publicações na área de educação de interesse dos professores da rede
estadual. Mentira. Não bastasse a decisão do ano passado, começou o mês de abril anunciando um novo gasto com 5.449 assinaturas de Folha de S. Paulo e Estadão.
É
de interesse de todas as escolas de SP assinarem esses jornais? Quem
terá acesso aos exemplares? São as melhores mídias? Contêm as
informações mais confiáveis que os núcleos escolares devem ter à sua
disposição? É muito raro encontrar qualquer citação ou crítica a essa
má utilização de recursos públicos e irresponsabilidade no uso da
máquina estatal, em benefício de interesses privados.
Nesse caso não há informação manipulada, apenas não veiculada. Peca-se pelo silêncio.
Mas o que se faz com a Operação Satiagraha
é, ao meu ver, o mais impressionante dos quatro exemplos. Essa operação
da Polícia Federal ameaça o poder do banqueiro condenado Daniel Dantas
e de todos (e não poucos) que dele se respaldam para ter um lugar ao
sol na política e mercado nacionais. A estratégia de defesa empregadoa
pela legião de advogados do banqueiro é ilegitimar a investigação da PF, apontando uma série de possíveis irregularidades e contaminações ao longo de seu curso. A Justiça julgou algumas delas e as apontou como inconsistentes. Os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo (salvo poucas exceções) seguem os mesmos passos e insistem em atacar o acuado Protógenes Queiroz,
delegado que liderou as investigações. Percebam: não querem inocentar
Dantas usando fatos que provem sua inocência, mas sim com a destruição
de fatos que provem sua culpa. A ficha de acusações que o "orelhudo" (como diz a CartaCapital em sua bela cobertura do caso) carrega é antiga e longa. O "problema" é que, enfim, o dono do grupo Opportunity foi condenado e preso, embora tenha sido libertado duas vezes pelo presidente do STF.
Qual a função da grande mídia no cenário em que Dantas tem o papel principal? Revistas (Veja, Época e IstoÉ), jornais (Estadão e Folha de S. Paulo) e obviamente a TV Globo
- para citar apenas alguns meios - vêm fazendo um esforço descomunal
para atacar a investigação da PF, exatamente como fazem os advogados do
banqueiro. A preocupação em acusar a PF é muito maior do que a de
incriminar Dantas, como comprovam todas as reportagens sobre o
escândalo dos grampos (que ninguém ouviu, se é que existem). Os
esforços conjuntos dos quatro poderes foram tão bem sucedidos que o
delegado foi afastado por tempo indeterminado.
Afinal,
para que servem as investigações: apontar as raízes da corrupção no
Brasil ou apenas fazer rodeios? Desvendar as origens desse cancro da
política nacional, foco da atual PF, é menos importante do que buscar
falhas nas operações? Por que enquanto o banqueiro criminoso está solto
todos se voltam para a inteligência investigativa do Brasil, que
atingiu um padrão de excelência em suas atividades nos últimos anos, e
a acusam de irregularidades?
Quando deveriam se posicionar frente a estas questões, todos se calam - ou são calados, como aconteceu com o programa do Observatório da Imprensa, vítima de nítida censura.
Esses
episódios mostram que o papel da mídia na cobertura de todos esses
escândalos é decisivo e por trás dele está a defesa de interesses
privados, em particular da elite à frente das decisões do país.
Quando
não basta o Estado e os Três Poderes, a elite que compõe tanto a
oposição quanto o governo tem a imprensa agindo em seu favor.